12 abril 2017

Por onde andamos – Crise "Pré – Textual"

         
Teatro é uma coisa louca e linda. Teatro é centelha de vida e ele nos pega e incendeia nosso corpo todos os dias.
Estamos numa fase muito importante do espetáculo “dona incelença da rua”. Está cada vez mais perto o dia de encontrar o público. A gente sente isso, a gente já decidiu que precisa desse encontro. É urgente para nós, mas não existe pressa, o que existe é vontade de trocar, de mostrar o que os nossos corpos andam descobrindo nesses quase cinco meses.
Pois vamos falar agora de uma crise “pré-textual”...
O processo do espetáculo, como falado em postagens anteriores, começa em rodas de conversas informais, em observações da vida e das notícias ao nosso redor. O processo começa quando a violência cresce e as perdas de pessoas queridas por conta da violência ficam cada vez mais constantes.
Um material textual foi escrito em novembro de 2016 e nossos encontros começam na primeira semana de dezembro.
Como compartilhado em postagens anteriores, foram momentos de dar e receber. Nossos corpos tinham histórias para contar e por mais que o texto escrito nos aproxime do que queremos, nossa história corporal estava cada dia mais independente.
As tentativas de aproximação com o texto escrito foram cada dia mais “falhas”. Existia alguma coisa de errado, pensava eu, mas não, existia alguma coisa de certa entre nós, um contrato estabelecido em nossas relações de encontros. Nosso corpo nos diz “eu quero falar o que está em mim”. Como lidar com essa inquietação, como não resistir ao corpo-palavra que nos envolve?
Entregando-se!
Conversamos em nosso último encontro sobre essa possibilidade que se mostrava. É momento de dar ouvidos a ela e se permitir.
Esses dias a vivência com o “Palco Giratório” me fez encontrar trabalhos em que os corpos estão diretamente relacionados com seu tempo e espaço. Nossos corpos estão assim, querendo se comunicar honestamente com nosso espaço e tempo.
Muitas dúvidas crescem, muitos caminhos aparecem. Eu olho e me perco, mas percebo que é possível se reencontrar no meio do turbilhão de sensações.
Sensações...
 Essa palavra ficou em nosso peito no fim do encontro de hoje. Queremos falar de sensações, do que estamos sentindo, do que queremos que as pessoas sintam também, se não já sentem...
E se não agradar?
Pois bem... Não estamos aqui fazendo teatro para isso. Queremos um diálogo franco, honesto e verdadeiro com o público e isso não implica em agradar, implica em saber o que o provoca em nosso trabalho e em como ele pode ser afetado por isso que queremos dizer.
Tem sido meses de encontros e de uma entrega muito honestos entre nós. Vivemos nesse período encontros que mudaram nossas vidas. Não estou exagerado. A minha vida mudou depois desse processo de encontro com as pessoas envolvidas em “dona incelença”. Eu já não sou o mesmo teatro de quando comecei. Eu estou me tornando um teatro feito cada vez mais de afetos, presenças, ausências, vitórias e fracassos.
Como é difícil assumir o fracasso. Como é difícil lidar com ele em um tempo onde somos obrigados a vencer todos os dias. Esse teatro que aqui vivemos agora nos mostra que não somos obrigados a vencer, somos sim impulsionados a viver cada etapa e momento de nossos dias.
Eu, como aprendiz de dramaturgo, vivo a crise pré-textual, sim uma crise que afeta a todos nós em “Dona incelença”. Nossos corpos não são corpos programados para decorar o que não nos afeta, e por favor, não me leve a mal quando escrevo isso, porque para mim toda experiência de teatro é válida, mas aqui eu falo da nossa, do nosso amadurecimento e das nossas inquietações. E também isso que escrevo não é um texto anti-texto teatral. Nossa experiência nos ensina que o texto foi um mote, um caminho, um impulsionador de sensações. As sensações afloraram, chegaram em lugares inesperados e agora estamos reconstruindo dramaturgicamente todas elas.
Estamos aprendendo um com o outro e com o espaço e com as pessoas que nos cercam. Estamos refletindo criticamente sobre isso. É importante. É enriquecedor.
Eu compartilho com você esse momento, porque nós não temos você em nossa sala de ensaio e é importante que quem nos vai assistir um dia entenda que somos feitos de afetos, vitórias e fracassos.
Fracassamos com o texto, então?

Não posso dizer isso, porque nós vencemos os nossos limites e estamos crescendo com isso a cada encontro.O texto continua em nós, só que tem vida, cresce e se mostra de outras formas, da nossa forma.

Bruno Alves

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